Ilustração Hare Lanz |
Antes de tudo, esta é uma história real.
Há mais de 22 anos, um senhor simples e com pouco estudo – formado pela 4ª série do ensino fundamental em meados de 1970 -, e sua esposa e ótima cozinheira, decidem abrir um comércio.
No início, o negócio era extremamente simples, sendo uma pequena mercearia numa cidadezinha no interior de São Paulo. Nela haviam produtos da região norte e nordeste do Brasil à venda
Os proprietários compravam, vendiam, faziam seus contatos e tocavam suas próprias vidas. E assim, os dois empreendedores davam conta das coisas.
À medida que o tempo passava, a cidade crescia e se desenvolvia, enquanto o pequeno negócio acompanhava em grau menos elevado o sutil aumento de proporções da localidade, o que exigiu a presença extra de um contador.
Entre 2003 e 2014, o país presenciou um grande “crescimento” e os proprietários decidiram construir uma pequena cozinha no estabelecimento e passar a servir refeições. Em novembro de 2013, as vendas cresciam e a necessidade de contratação de uma ajudante de cozinha e um ajudante de vendas se tornara evidente.
Contrataram dois funcionários. Um adolescente, cursando o ensino médio e uma mulher como ajudante de cozinha. Os contratos seriam feitos com base na CLT e ambos tiveram todos seus “direitos trabalhistas” garantidos.
O casal de micro proprietários, que pouco entendia deste processo de contratação, achou que era um preço razoável a se pagar pelo novo funcionário que ajudaria na limpeza do estabelecimento, no caixa e no atendimento aos clientes. E também, pela funcionária que ajudaria a esposa-proprietária na cozinha do estabelecimento.
Para o rapaz foi uma maravilha. Apesar de sua inexperiência, conseguiu um trabalho que o remunerava razoavelmente bem e pôde pagar seu terceiro ano do ensino médio numa escola particular – e teve excelentes resultados.
Igualmente para a ajudante foi excelente, afinal, se encontrava fora dos índices de desemprego.
A partir daqui, o foco maior será no rapaz e na empresa.
O rapaz terminou o ensino médio, mas não conseguiu passar numa faculdade federal. Deduziu que a concorrência por vagas era muito grande e que não teve um resultado tão bom quanto os de seus concorrentes. Então, decidiu fazer mais um ano de cursinho e assim se sucedeu mais um ano até o fim deste período.
Para sua felicidade ele conseguiu conquistar sua vaga numa faculdade federal durante os vestibulares de meio de ano, mas houve um problema. A faculdade almejada se encontrava em Minas Gerais e o rapaz não tinha condições para se mudar e estudar em tempo integral – além do fato de que seus pais não poderiam arcar com estes custos.
Então, o rapaz continuou a trabalhar na mercearia enquanto arriscava uma vaga numa faculdade pública de mesma cidade. E assim que os resultados dos vestibulares de dezembro de 2014 foram liberados, sua vaga se mostrava garantida.
Tudo estava ótimo. Afinal, não precisaria se mudar e conquistara sua vaga numa instituição das proximidades, além de que, com o atual emprego, poderia custear os gastos de transporte junto com alguns amigos que iriam para o mesmo local – posteriormente, seu pai apresentou um carro e o disponibilizou para ir à faculdade. O preço da gasolina era rateado entre eles e assim o gasto seria ainda menor do que ir para a faculdade de ônibus. Bom para todos.
Neste momento, o rapaz está no início do 4° semestre (julho de 2016) e acredita que é a hora de trocar de emprego, iniciando sua carreira no ramo escolhido ao se colocar à procura de um estágio. Seu atual emprego não apresenta nenhuma possibilidade de mudança de cargo, aumento de salário ou atividades na área em que pretende atuar.
O DIVISOR DE ÁGUAS
Como dito anteriormente, a empresa viveu seus bons tempos até 2014.
Neste ano, a funcionária foi diagnosticada com câncer de mama e ficou afastada por cerca de 08 meses até ser operada e ser “assegurada” pelo INSS. Até hoje, enquanto enfrenta o hospital da Unicamp semanalmente e passa por uma série de tratamentos, não pôde assegurar sua aposentadoria. Ainda assim, mantém vínculo com a empresa, que periodicamente precisa arcar com alguns custos relativos à funcionária.
Em 2015, após as eleições para presidência, iniciou-se uma crise no país e a empresa, que já vinha percebendo uma boa queda nas vendas desde antes das eleições, está vivendo uma má situação que só veio a piorar.
Os microempresários seguraram as pontas e cortaram todos os gastos que puderam. Desligaram dois freezers, passaram a controlar melhor os gastos com água e luz, passaram a comprar cada vez menos mercadorias e diversas outras medidas aplicadas; todas em função das menores vendas. Afinal, o objetivo era preservar o funcionário contratado.
Seguiu desta forma até o ano de 2016, quando as dificuldades em realizar os pagamentos dos funcionários se revelaram, fazendo com que o rapaz sentisse ainda mais vontade de deixar a empresa.
O funcionário demonstrou parte de suas frustrações durante o exercício do trabalho, o que impactou negativamente nas vendas. Tentou compreender os patrões, não se importando com os atrasos de 04 a 05 dias no recebimento do pagamento, afinal não possuía dívidas e isso não o afetava diretamente – além de que, ter um emprego era um privilégio, visto que devido à crise, 13 milhões de pessoas estavam desempregadas por todo país.
Mesmo assim, o rapaz montou um novo currículo e enviou a algumas empresas na esperança que pudesse conquistar um estágio e usufruir de um salário melhor enquanto cumpria a exigência de estágio obrigatória do curso.
Parecia um momento propício, a empresa estava mal das pernas e não conseguia pagar o funcionário em dia, ao mesmo tempo em que o rapaz queria se desligar da empresa e procurar um novo emprego.
Então, o funcionário conversou com seu patrão e pediu um acordo: cumpriria seu aviso prévio nas férias de junho para que no início de julho voltasse às aulas no período correto para cumprir a exigência de estágio.
O empreendedor concordou com o rapaz, avisando o contador incompetente da empresa e aguardando o mês de julho para liberar o futuro estagiário.
Assim seria, se não fosse os entraves que o microempresário, o contador e o rapaz enfrentariam devido a legislação trabalhista em vigência no país.
O empregador deveria pagar R$380,00 por um tal de “Certificado Digital” que passou a ser obrigatório para empresas optantes pelo Simples Nacional no dia 7 de Julho deste ano (2016).
Este era um custo não esperado pelo empregador, ele nem conhecia este tal de “Certificado Digital” e muito menos qual sua utilidade, afinal nunca recebera nenhuma informação acerca disso, apenas a cobrança do mesmo.
Mesmo assim, adquiriu o certificado, convencido de que isso resolveria os problemas.
O contador avisou que demoraria cerca de dez dias para que o certificado estivesse ativo e assim pudesse completar a demissão. O empregador imediatamente avisou seu funcionário, que não achou muito ruim esperar dez dias a mais para se desligar completamente da empresa, afinal seu patrão sempre o tratou muito bem e com respeito e não seria isso que acabaria com o bom relacionamento de ambos.
Passaram-se mais de 20 dias para que o contador retornasse e avisasse que agora o empresário deveria desembolsar uma bagatela de R$5.003, 41 referentes ao tempo de casa do funcionário (2 anos e 10 meses) ao FGTS.
O empregador não entendeu muito bem, afinal pagou durante todo este tempo as guias do FGTS e achava que isso era exatamente um rateio destes custos do rapaz, o que garantiria seu seguro desemprego e todo o resto durante o período que trabalhasse ali.
O rapaz recebia um salário mínimo, mas custava quase dois para a empresa, sendo o salário de R$880,00 e seus custos de R$800,00 mensais, dando um total de R$1680,00 por mês.
Tudo isso era pago por um funcionário que atendia clientes, cuidava do caixa e passava pano no chão e nas mesas do estabelecimento. Nada mais. O rapaz nunca produziu nada ao comércio, nunca gerou nada que desse lucro à empresa e custava cerca de 17% do rendimento mensal da mesma.
O microempresário entrou em desespero ao ouvir isto.
Ele não tem esta quantia e a empresa está vendendo somente o suficiente para arcar com os custos e gastos gerados – não há lucro – está apenas sobrevivendo. Mandar o rapaz embora poderia mudar um pouco a situação da empresa.
Imagem Ilustrativa |
Neste exato momento, tanto o empregador quanto o empregado buscam uma forma de resolver este problema imposto pelo “governo”. Ambos querem se desassociar de fato, mas a Lei não permite.
Justo aquele, tão lindo, que no artigo 5º, dos direitos fundamentais, diz o seguinte:
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;
Há somente um desejo em comum, o da desassociação.
O funcionário quer deixar a empresa.
O empregador quer dispensar o funcionário.
O sistema em questão acaba de se mostrar um sistema engessado, que impede o desenvolvimento do país e a resolução da crise através do próprio mercado.
A CLT impede o empregado de exercer uma função mais complexa e menor remunerada ao mesmo tempo em que impede o empregador de substituir um funcionário, que já não consegue remunerar adequadamente, por outro que possa exercer a mesma função, extremamente simples, por um custo menor.
O grande temor de tudo isto é que a empresa, que tem seu rendimento mensal bruto um total que varia de R$8.000,00 à R$9.000,00, precisar arcar com um custo de R$ 5.000,00 para dispensar um funcionário que nunca lhe trouxe uma produção equivalente a este montante.
Talvez, o que torne tudo isso ainda mais complicado é que eu, a quem lhe escrevo, sou o empregado e também o filho do empregador.
Neste momento, estou conversando com meu pai sobre as atitudes possíveis a serem tomadas mediante as circunstâncias atuais.
E aí, qual é a sentença que você daria, segundo a obrigatoriedade da legislação vigente: você mata a empresa e seus postos de trabalho, asfixiando-a por completo; ou prende o funcionário no emprego atual, impedindo-o de exercer uma função mais complexa em outra empresa, onde ele possa realmente se distinguir profissionalmente e produzir algo?
Nenhuma das possibilidades é boa – muito menos para os envolvidos.
Não é a toa que a CLT seja um presentinho de Mussolini e seu Fascismo.
Ter uma empresa neste país é coisa pra rico. Apenas estes conseguem estudar e arcar com todos os custos pagos para trabalhar. Os pobres e àqueles que arriscarem mudar sua condição de vida, têm duas opções:
Ser funcionário do setor privado, não dá dor de cabeça, os “direitos” são muitos e as obrigações poucas; ou
Ser funcionário público, que pouco trabalha e muito ganha com estabilidade garantida.
Do contrário, será condenado pelos crimes de abrir uma empresa, contratar e tentar descontratar com sentença de pagamentos de impostos altíssimos; burocracias excessivas completamente arbitrárias, generalistas e de difícil entendimento (principalmente para pessoas com pouco estudo); e encargos inviáveis.
Crimes gravíssimos, não?!
– Bruno Medina Alves,
do futuro Instituto Libertário Brasileiro.